Teologia moderna é negação da Teologia Histórica?

Por Paulo Dib


Temos visto um crescimento na igreja como um todo, mas de maneira particular na igreja brasileira, de uma negação das obras teológicas clássicas (históricas), em detrimento da chamada "Teologia Moderna".

A igreja nacional acaba por ignorar, senão negar, obras importantíssimas dos Pais da Igreja, por considerá-las “Romanas”.

De igual maneira cria-se a tendência de ignorar ou negar as obras dos teólogos pré reforma, bem como as obras produzidas pelos reformadores (Lutero, Calvino, Teodoro de Beza, Zwínglio, etc.), depois destes os teólogos mais contemporâneos (como John Wesley, por exemplo).

Tudo por puro preconceito. As obras da patrística são julgadas antes mesmo de serem lidas. Os credos e concílios da Igreja no período áureo dos pais da igreja (Séculos II a V) são taxados de “romanizados”, sendo que nessa época a igreja nem era tão romana quanto se pensa.

"Paulo, onde você quer chegar?". Pois bem caro leitor, o ponto em que eu quero chegar é que não podemos simplesmente ignorar séculos de produção teológica, séculos de boa tradição.

“Pronto! Agora o Paulo bateu a cabeça” - você deve estar pensando - “agora ele está defendendo a tradição católica romana medieval”.

Calma! Não se desespere a sua alma. Não bati a cabeça e também não estou defendendo o catolicismo romano medieval.

O ponto em que eu quero chegar é que os chamados Pais da Igreja, em especial os dos séculos II a V, foram homens guiados pelo Espírito Santo para a defesa da fé cristã. Se hoje podemos repousar sobre confissões de fé sólidas e confiar em doutrinas realmente bíblicas, deveríamos em alguma instância agradecer a esses homens.

Se hoje você crê na Doutrina da Trindade, agradeça a Deus pela vida destes homens que fielmente lutaram para que heresias não adentrassem o seio do cristianismo. Heresias como modalismo, adocionismo e arianismo, que simplesmente negavam a divindade de Cristo e comprometiam não só a Trindade como comprometiam o monoteísmo.

Tertuliano de Cartago
Se você compreende a doutrina do pecado original e entende que toda a humanidade está destituída da glória de Deus e que o único remédio para isso é obra redentora de Cristo, lembre-se desses homens que lutaram contra heresias que diziam que intrinsecamente todo homem possuía algum grau de bondade e poderia fazer algo para merecer a salvação. 1

Se hoje você crê na plena divindade de Jesus Cristo e em sua obra redentora única e suficiente, pesquise sobre o Concílio de Nicéia e veja o que é dito lá (Pesquise, não vou te dar de mão beijada). Já ouviu falar do Credo Apostólico? Está lá, na patrística.

Você não precisa repetir tudo aquilo todo santo dia, 30 vezes por dia de maneira religiosa, mas medite naquelas palavras. Veja se aqueles ensinamentos lhe são familiares.

Qual a implicação prática de tudo isso?

A implicação é que esse preconceito tem suas raízes no pietismo alemão que muito influenciou a igreja brasileira. Pietismo em seu conceito original significa abster-se do mundo buscando santificação e temor.

É claro que reverência, temor e santificação são coisas boas na vida cristã, mas quando parte de algum tipo de fanatismo é gerado o pietismo exagerado. Pietismo exacerbado é irmão do legalismo e do ascetismo não bíblico.

Por ascetismo não bíblico temos o ato ou ensino que faz com que os crentes se abstenham de coisas que a Bíblia não diz nada a respeito. São as famosas “santarrisses”, onde tudo é impuro, todo e qualquer prazer é mal visto, até mesmo os prazeres bíblicos.

O ascetismo não bíblico leva invariavelmente ao legalismo, uma lista infindável de coisas que se podem ou não fazer, sem, no entanto, possuir fundamentos bíblicos. O ascetismo não bíblico simplesmente traz proibições, visto ser muito mais fácil proibir algumas coisas do que ter uma vida de real santidade. É mais fácil eu jogar pelas regras impostas pela religião do que ouvir a voz do Espírito Santo.

A questão é que quem é realmente salvo e convertido possui o Espírito Santo dentro de si, e ele nos conduz a toda verdade. Ninguém melhor do que Ele para nos dizer o que devemos ou não fazer.

Outro malefício do pietismo exacerbado é o anti-intelectualismo. Cria-se uma aversão ao estudo teológico aprofundado. O que o pregador falou é lei, e pronto. A revelação é o que vale. As pessoas não se dão ao trabalho de fazer uma análise crítica da pregação apresentada, tão pouco elas pesquisam na Bíblia se aquele ensinamento é correto ou não. Aliás, quantos se dão ao trabalho de ler a Bíblia?
A própria Palavra nos instrui nos precavermos de falsos profetas e a julgarmos os espíritos (1 Jo 4.1).

Não quero aqui fazer apologia à desconfiança em pastores. Muito pelo contrário, agradeça a Deus por seu pastor e ore por sua vida. Eu, em particular, sou muito grato a Deus pela vida do Bispo César, homem de jejuns e orações, mas também homem de estudo e Palavra.

O meu alerta é: preste atenção naquilo que estão te ensinando! Estude a Bíblia, peça revelação ao Espirito Santo, estude teologia, analise a tradição, conheça a história da igreja. Não julgue apenas os teólogos do passado, mas aprenda com seus acertos e erros!

É inadmissível ouvirmos em pleno século XXI frases do tipo “estudar para quê, se Jesus está voltando?”. Graças a Deus que esse tipo de pensamento tem diminuído, porém ainda é real.

Devemos buscar uma posição de equilíbrio doutrinário. Equilíbrio entre a fé e o tangível, entre o místico e o racional. Nosso esforço tem de ser em evitar extremos.

Evitar o Pietismo exacerbado, assim como evitar o hedonismo (doutrina que afirma ser o prazer o bem supremo da vida humana, restringindo o prazer ao prazer do indivíduo).

Também não concordo com pensamentos do tipo “agora estamos na graça, posso fazer de tudo, Jesus me perdoa mesmo!”.

Alto lá cara-pálida, oba-oba e libertinagem não são bíblicos não! Podemos sim fazer todas as coisas, mas será que todas elas nos são convenientes? (1 Co 6.12). Sem esquecer, é claro, da obrigação como cristãos de manifestarmos bom testemunho.

Vida de compromisso é essencial. Se eu fui realmente impactado pelo evangelho e pelo amor de Cristo os frutos têm de ser aparentes. Se eu compreendi a mensagem do evangelho com certeza isso gerou em mim um compromisso com Jesus. Um compromisso de amor, não de obrigação. Ele me amou primeiro, por isso hoje eu o amo, e é justamente por amá-lo que eu quero fazer aquilo que lhe agrada, e não por que a religião diz o que eu devo ou não fazer. Agora, se isso não é realidade em minha vida talvez eu não tenha compreendido corretamente o evangelho. Então, é hora de rever conceitos. Pare e pense!


Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, Que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo... Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: Não toques, não proves, não manuseies? As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens; As quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne”. (Cl 2. 16, 17, 20-23).


1. Não ignoro o fato de que a doutrina romana acabou por introduzir obras e méritos pessoais em seu conceito soteriológico. No entanto isso se deu séculos mais tarde, e não no período aqui abordado.

3 comentários:

@igorpensar 12 de fevereiro de 2011 às 04:52  

É isso meu amigo Paulo, adorei seu texto. Excelente! Meus parabéns. Que bom que podemos considerar novamente a teologia histórica. Lindo!

Juliano Alcântara 13 de fevereiro de 2011 às 07:32  

Paulo, eu conheço pouco dos livros históricos, mas julgo que eles são importantes sim.
Até mesmo os apócrifos são uteis pelas informações históricas.

Abraços.

Paulo Dib 14 de fevereiro de 2011 às 03:47  

Igor, há algum tempo atrás eu nem cogitaria a questão da teologia histórica, mas como eu te disse tenho passado por mudanças pessoais. O ano de 2010 em particular foi muito especial para mim neste sentido.

Abs.

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Juliano, esses livros são importantes sim. É necessário conhecê-los, assim como você mesmo colocou, os apócrifos, pois embora eles não sejam inspirados, eles contêm muita riqueza histórica.

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Cristão Protestante. Graduado em Tecnologia em Processamento de Dados pela FATEC (Unesp). Hoje trabalho como consultor em negócios imobiliários. Pós-graduado em Especialização em Estudos Teológicos, pela Mackenzie (CPAJ). Falo Inglês muito bem e espanhol porcamente. Sou muito bem casado e tenho dois filhos maravilhosos.

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